*imagem de domínio público*
E de que adianta que eu tenha sido tantas coisas, se eu nunca fui, na verdade, o seu amor.
amor. amor. amor.
Assim, na verdade da palavra.
á.
ême.
ó.
érre.
Só não erre. Ou se erre de mim. Mas não comigo. Não mais comigo. É que na nossa língua é mais forte. Soa real. Cru. E você não pode carregar nas costas o peso de uma mentira, e eu não quero carregar uma ilusão. Temos um acordo.
Por qual motivo acharei ruim não tê-los comigo do mesmo lado desse tribunal, se eu que os coloquei no polo passivo? E, de repente, passei para o plural por saber que tua resposta estava tão vinculada à todas as outras. Dos outros. O fardo do chorume alheio que pesa em teus ombros não parece causar-te mal algum. Batam palmas. Acho elegante. Minto. Isso é tão bestial.
Dispenso testemunha. Quem melhor do que eu para contar meus próprios fatos? Não preciso de afirmação alheia. Olham-me de esguelha com desconfiança. Isso me irrita. Levo o drink aos lábios, poupando-me o rebaixamento de sibilar aquilo que são. Otários.
Ah, amor. Me diz, por quê? Paro minha fala. De escanteio, observo o relator dedilhar por sobre a mesa, com a curvatura dos lábios levantada, parecendo ser outro a também achar alguma graça. Em qual página o sentimento havia sido hostilizado e se tornado motivo de gozação? Eu poderia jurar que ele estava há horas escrevendo a mesma palavra. Acho que ele está digitando amor. Suspeito que o homem em pé, perto da primeira fileira, mandou preparar um outdoor para anunciá-la do lado de fora. Essa cena não estava na pauta. Retiro um papelzinho de confete que se entrelaça nos fios de meu cabelo e não posso voltar a crer. á. ême. ó. érre.
Você diz que foge do amor por medo, eu fujo de homens covardes.
Ignoro as vozes que se levantam em sua defesa. A esperança senta-se desajeitada em cima da bancada, e me olha questionadora. Vejo receio em sua vontade de cantarolar: amor, amor, amor. Shiu, fique quieta. Quando penso que não, parece uma torcida. A desconfiança toca no meu ombro e a olha com deboche. Não posso julgá-la, eu pensei o mesmo. A felicidade estava sentada cabisbaixa, encostada no púlpito, sem conseguir fazer jus ao próprio nome. Deu de ombros, parecendo que também se entregava. ''Vocês esqueceram como se faz para me trazer'', fez com desdém, ao tempo em que ajeitava os óculos, irresignada. A felicidade sabia se impor, eu a admirava. Respirei fundo quando senti os olhos marejarem. Agora não. Por favor, não. Definitivamente não. Era a saudade me abraçando de frente. Tinha que ser assim tão forte? Suas mãos estavam ao meu redor e bastaram míseros segundos para eu me sentir tomada. ''Voltei'', sussurrou no meu ouvido. E em algum momento tinha ido embora? Ora, que ousadia!
No cantinho da parede, avisto o medo colocando a cabeça pra fora da cortina, espiando-me, querendo me fazer acreditar na sua desculpa de autodefesa. Me olha fixamente e eu não posso evitar lembrar das vezes que ele simplesmente se foi em tantos outros momentos. Pois bem, engraçado seu posicionamento só depois que a sentença foi prolatada. Não resta mais prazo para recorrer. Me sinto na liberdade de retirar seu direito de defesa. Dei-te há tanto. Determino o meu próprio trânsito em julgado. E-xe-cu-te.
Bocejo cansada, sem poder evitar o chacoalhar de mãos para fazê-los calar a boca. A determinação pegou-me pelos braços, aguentando junto a sobrecarga da saudade, e eu me permiti deitar a cabeça em seu ombro. Alívio. Sinto-me acolhida. O amor nos acompanhou e eu desejei um pouco de disposição para condecorá-lo. Nem precisei chamá-lo.
O orgulho fica indeciso, até resolver partir-se em dois, seguindo um pouco de si para ambos os lados. O chão fez barulho. Ele está saltitante. Tolinho. A vitória não foi sua. Não precisei abrir os olhos para ver quem chegava pedindo minutos para sustentação oral. Mas, olha só, o mantenedor das aparências. Eu não gastaria minha audição com isso. Deixei-me ser levada dali.
Non, non, monsieur. Non, non.
Melhor texto que li ultimamente.
ResponderExcluirChorei!! Me indentifiquei em cada parte
Muito obrigada!
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